Acupuntura - Mecanismos Fisiológicos para Dor

Introdução

A acupuntura é uma técnica terapêutica milenar originária da Medicina Tradicional Chinesa, na qual agulhas finas são inseridas em pontos específicos do corpo para tratar diversas condições de saúde. Praticada há mais de 2.000 anos na Ásia, a acupuntura começou a se difundir no Ocidente em meados do século XX. Eventos históricos, como a visita do presidente Nixon à China em 1972 (quando integrantes da comitiva relataram analgesia por acupuntura durante cirurgias), despertaram grande interesse da comunidade médica ocidental.

A partir da década de 1970, iniciaram-se pesquisas científicas sistemáticas para compreender e validar os efeitos da acupuntura segundo parâmetros da medicina ocidental. Em 1979, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu formalmente a acupuntura como terapêutica, listando dezenas de condições em que poderia ser benéfica, especialmente no alívio da dor. Desde então, a acupuntura foi gradualmente incorporada a centros de tratamento da dor, clínicas de reabilitação e hospitais no Ocidente, sendo hoje considerada uma modalidade complementar ou integrativa importante no manejo da dor crônica e outras enfermidades.

Do ponto de vista científico, os mecanismos de ação da acupuntura têm sido objeto de intenso estudo. Enquanto na visão tradicional chinesa seus efeitos são explicados pelo equilíbrio do fluxo de “Qi” nos meridianos energéticos, a medicina ocidental busca correlatos biológicos mensuráveis para esses efeitos. Ao longo das últimas décadas, pesquisas em neurociência, fisiologia e imunologia desvendaram diversos mecanismos pelos quais a acupuntura pode aliviar a dor.

Esses mecanismos incluem a modulação do sistema nervoso central e periférico, liberação de neurotransmissores e neuromoduladores endógenos, ativação de vias hormonais e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, além de efeitos no sistema imunológico e no processo inflamatório.

Embora ainda não haja consenso completo e muitos detalhes permaneçam em investigação, já existe uma compreensão substancial de como a estimulação por agulhas pode desencadear respostas fisiológicas complexas que resultam em analgesia. Neste artigo, serão explorados em detalhe os principais mecanismos “ocidentais” propostos para a acupuntura no tratamento da dor, bem como evidências clínicas de sua eficácia e comparações com terapias convencionais. O objetivo é fornecer uma visão técnica, porém acessível, do estado atual do conhecimento científico sobre a acupuntura analgésica.

Mecanismos Biológicos da Acupuntura

Os efeitos analgésicos da acupuntura resultam de uma cascata de eventos biológicos integrando os sistemas nervoso, endócrino e imunológico. A seguir, detalhamos os principais mecanismos neurofisiológicos e bioquímicos conhecidos.

Neurofisiologia da Dor e Ação da Acupuntura no Sistema Nervoso

Para entender a ação da acupuntura na dor, é importante relembrar como a dor é processada pelo corpo. Os estímulos dolorosos (nocivos) são captados por terminações nervosas periféricas (nociceptores) presentes na pele, músculos e órgãos. Esses sinais viajam através de fibras nervosas aferentes até a medula espinhal (na coluna vertebral) e, dali, são retransmitidos por neurônios para o cérebro, em regiões como o tálamo e o córtex cerebral, onde ocorre a percepção consciente da dor.

Paralelamente, o organismo possui sistemas modulatórios que podem amplificar ou inibir esses sinais dolorosos. Dois componentes importantes dessa modulação são: (1) a inibição segmentar espinhal, descrita na Teoria do Portão de Melzack e Wall, e (2) as vias inibitórias descendentes que partem do cérebro em direção à medula espinhal.

A acupuntura, ao inserir agulhas em determinados pontos, provoca estímulos mecânicos e elétricos de baixa intensidade que ativam diferentes tipos de fibras nervosas periféricas. Tipicamente, a sensação de “deqi” (caracterizada por peso, dormência ou formigamento local) indica a ativação de fibras Aδ (fibras sensoriais de diâmetro pequeno-médio, mielinizadas, que conduzem estímulos de dor rápida) e possivelmente fibras C (mais lentas, não mielinizadas). Em alguns casos, fibras de maior diâmetro Aβ (sensíveis ao toque e pressão) também podem ser recrutadas pela manipulação da agulha. A ativação dessas fibras desencadeia respostas em vários níveis do sistema nervoso:

  • Inibição segmentar (Teoria do Portão): Os impulsos gerados pela agulha nas fibras sensoriais podem estimular interneurônios inibitórios na substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinhal (região onde chegam os neurônios sensoriais da dor). Esses interneurônios liberam neurotransmissores inibidores, como ácido gama-aminobutírico (GABA), glicina e encefalinas (opióides endógenos), que reduzem a transmissão dos sinais de dor das fibras nociceptivas para os neurônios que sobem para o cérebro. Em outras palavras, o estímulo da agulha “fecha o portão” na medula espinhal, dificultando a passagem dos estímulos dolorosos provenientes da região afetada. Esse mecanismo explica, por exemplo, por que a estimulação de um ponto de acupuntura próximo à área dolorida pode aliviar a dor local, através de reflexos medulares.
  • Ativação de vias inibitórias descendentes: Os sinais produzidos pela acupuntura não ficam restritos à medula; eles também ascendem pelo eixo neuraxial e atingem centros superiores no cérebro que controlam a dor. Estudos de neuroimagem e neurofisiologia mostram que a estimulação de certos pontos acupunturais ativa regiões do tronco cerebral e do diencéfalo, como a substância cinzenta periaquedutal (PAG) no mesencéfalo, o núcleo magno da rafe (no bulbo) e a locus coeruleus (na ponte). Essas áreas fazem parte do sistema modulador descendente da dor. Ao serem ativadas, elas desencadeiam a liberação de neurotransmissores como serotonina (5-HT) e noradrenalina em vias nervosas descendentes que se projetam de volta à medula espinhal. A serotonina liberada pelos neurônios do núcleo da rafe e a noradrenalina liberada pela locus coeruleus atuam em receptores nas hastes dos neurônios do corno dorsal da medula, inibindo a liberação de substâncias transmissoras da dor (como substância P e glutamato) pelos neurônios primários aferentes. Além disso, essas monoaminas estimulam interneurônios inibitórios locais (como mencionado acima), potencializando a “fechadura do portão”. O resultado final é uma menor excitação dos neurônios de segunda ordem que levam a informação dolorosa ao cérebro, reduzindo a percepção da dor. Esse mecanismo descendente explica por que a acupuntura pode produzir analgesia mesmo distante do local da aplicação das agulhas, pois envolve um controle central generalizado da dor.
  • Estimulação de centros cerebrais e liberação de neuro-hormônios: A punção de certos pontos pode atingir fibras nervosas que conectam, via medula e tronco cerebral, a estruturas do prosencéfalo, incluindo o hipotálamo e a hipófise (glândula pituitária). O hipotálamo é um importante regulador neuroendócrino e modulador autonômico, enquanto a hipófise secreta diversos hormônios sistêmicos. A ativação do eixo hipotálamo-hipófise pela acupuntura tem duas consequências importantes para analgesia: (1) liberação de peptídeos opióides endógenos (produzidos no próprio hipotálamo e liberados pela hipófise na circulação e no líquido céfalo-raquidiano) e (2) regulação de hormônios de estresse, como o cortisol, que discutiremos adiante na seção do eixo HHA. Estudos indicam que a acupuntura pode aumentar os níveis de β-endorfina no líquido cerebroespinhal e no plasma, evidenciando essa ativação central. Ademais, técnicas de imagem funcional (fMRI, PET scan) demonstram que a acupuntura pode reduzir a atividade de regiões límbicas associadas à percepção aversiva da dor (como a amígdala e o córtex cingulado) e aumentar a ativação de regiões moduladoras (como citado no tronco cerebral), compatível com uma reinterpretação do sinal doloroso pelo cérebro que resulta em menor desconforto.
  • Controle difuso nocivo inibitório: Outro fenômeno neurofisiológico possivelmente envolvido é o chamado “controle inibitório difuso da nocicepção” (CIDN). Trata-se de um reflexo protetor pelo qual a aplicação de um estímulo doloroso moderado em uma parte do corpo desencadeia, via tronco cerebral, uma inibição generalizada de outras aferências dolorosas no organismo. Em outras palavras, “uma dor pode aliviar outra dor” através de mecanismos centrais. A acupuntura, ao introduzir agulhas (causando um micro estímulo nociceptivo controlado), pode acionar esse sistema de analgesia difusa endógena, contribuindo para redução de dores simultâneas em regiões distantes da estimulação. O CIDN é mediado por circuitos neuronais que envolvem as mesmas estruturas descendentes citadas (PAG, rafe, etc.) e a liberação de opióides e monoaminas.

Resumidamente, sob a ótica neurofisiológica, a acupuntura engaja o sistema nervoso em múltiplos níveis: local (bloqueio segmentar medular), espinal ascendente (transmissão do estímulo), central superior (ativação de centros moduladores no cérebro) e espinal descendente (retrocontrole inibitório).

Esses processos levam a uma modulação da dor pelo próprio organismo, utilizando vias e substâncias neurológicas intrínsecas. A seguir, detalharemos essas substâncias envolvidas e outros mediadores bioquímicos.

Regulação de Neurotransmissores e Neuromoduladores

Um dos achados mais consistentes na pesquisa sobre acupuntura é que a estimulação por agulhas promove a liberação de diversos neurotransmissores e neuromoduladores endógenos relacionados ao alívio da dor e ao bem-estar. Entre os principais mediadores identificados estão os opióides endógenos (como endorfinas e encefalinas), os monoaminas (serotonina e noradrenalina, já mencionadas), a dopamina, e outros como a adenosina e até canabinóides endógenos. Vamos explorar cada um brevemente:

  • Opioides endógenos (endorfinas, encefalinas e dinorfinas): Pouco após o início das pesquisas modernas de acupuntura, descobriu-se que parte de seu efeito analgésico devia-se à liberação de opiáceos produzidos pelo próprio organismo. As β-endorfinas, met-encefalinas, endomorfinas e dinorfinas são peptídeos que se ligam aos receptores opióides (μ, δ e κ) no sistema nervoso, bloqueando a transmissão da dor de modo semelhante à morfina e outros opiáceos exógenos. Estudos clássicos mostraram que sessões de acupuntura elevam significativamente as concentrações desses peptídeos no cérebro e no líquor. Em experimentos com animais e humanos, a administração de naloxona (antagonista opióide que bloqueia receptores μ) reverte ou atenua a analgesia provocada pela acupuntura, reforçando a evidência de envolvimento das endorfinas no mecanismo de ação. Interessantemente, a forma de estimulação influencia quais opióides são liberados: pesquisas com eletroacupuntura demonstraram que estimulação elétrica de baixa frequência (por exemplo, 2 Hz) desencadeia principalmente a liberação de β-endorfinas, endomorfinas e encefalinas, as quais ativam receptores μ e δ, produzindo analgesia prolongada. Já a estimulação de alta frequência (por exemplo, 100 Hz) leva à liberação predominante de dinorfinas, que atuam em receptores κ e estão associadas a uma analgesia de início mais rápido, porém possivelmente de duração mais curta. Essa diferença sugere que diferentes parâmetros de acupuntura podem recrutar distintos subtipos de mecanismos opióides. Em suma, a teoria das endorfinas é um pilar fundamental da explicação ocidental da acupuntura: as agulhas fazem o corpo “fabricar seu próprio analgésico interno”.
  • Serotonina e noradrenalina: Conforme mencionado, a acupuntura ativa vias descendentes que liberam 5-HT e noradrenalina na medula espinhal. Esses neurotransmissores não apenas inibem a dor na medula, mas também atuam em regiões supraespinais modulando o humor e a resposta emocional à dor. A serotonina, em especial, tem duplo papel: periférica e centralmente pode mediar efeitos analgésicos, mas dependendo do receptor envolvido também pode influenciar a percepção de bem-estar. Pesquisas mostram aumento de metabólitos de serotonina no sistema nervoso central após acupuntura, e redução de dor é atenuada quando se bloqueia farmacologicamente a via serotoninérgica descendente. A noradrenalina, liberada por neurônios do locus coeruleus estimulados pela acupuntura, potencializa a supressão de sinais dolorosos e também pode induzir leve vasoconstrição periférica que reduz edema inflamatório. Assim, ambos os neurotransmissores contribuem para a analgesia induzida pela acupuntura e para uma sensação geral de relaxamento.
  • Dopamina: A dopamina é um neurotransmissor associado principalmente a recompensa e motivação, mas também desempenha papel na modulação da dor e do humor. A acupuntura pode influenciar a liberação de dopamina em certas áreas cerebrais. Por exemplo, estudos indicam que sessões de acupuntura podem aumentar a atividade dopaminérgica no núcleo accumbens e no estriado, regiões do sistema de recompensa. Isso é relevante porque em condições de dor crônica há frequentemente disfunções nesses circuitos de recompensa, contribuindo para sintomas de desmotivação e depressão. Ao normalizar a liberação de dopamina, a acupuntura pode melhorar o humor e a tolerância à dor. Além disso, há evidências de que a estimulação de pontos específicos influencia receptores dopaminérgicos no sistema límbico e até na medula adrenal (via reflexos autonômicos), modulando a resposta ao estresse e a percepção dolorosa. Embora o papel da dopamina seja menos estudado do que o das endorfinas e serotonina, a sua participação ajuda a explicar efeitos terapêuticos da acupuntura em condições como síndrome das pernas inquietas e até dependência química (em que a via dopaminérgica está envolvida), bem como a melhora de bem-estar relatada por pacientes após as sessões.
  • Adenosina: Uma descoberta notável no campo ocorreu em 2010, quando pesquisadores identificaram que a acupuntura aumenta a concentração de adenosina no local da inserção das agulhas, contribuindo para o efeito analgésico local. A adenosina é um nucleosídeo que, além de compor o ATP, atua como neuromodulador. Quando liberada no tecido, a adenosina pode se ligar a receptores A1 nas terminações nervosas periféricas, diminuindo a excitabilidade dos neurônios sensoriais e reduzindo a dor. No estudo em questão, a aplicação de acupuntura em modelos animais elevou os níveis de adenosina na área tratada, e esse efeito correlacionou-se com alívio da dor; por outro lado, bloquear farmacologicamente os receptores A1 aboliu a analgesia da acupuntura. Ou seja, parte do efeito pode ser explicada por um mecanismo purinérgico local: a pequena “lesão” controlada da agulha faz com que células ao redor (como fibroblastos e mastócitos) liberem ATP, que é rapidamente degradado a adenosina, a qual então desativa as fibras de dor na vizinhança. Esse mecanismo é importante principalmente em dores localizadas e também ilustra como a visão ocidental enxerga o conceito oriental de “ativar a circulação de energia” – na verdade, há liberação de moléculas bioativas locais promovendo homeostase e analgesia.
  • Outros neuromoduladores: A cada ano, novas pesquisas adicionam peças ao quebra-cabeça. Além dos já citados, sabe-se que a acupuntura pode modular substância P (neurotransmissor excitatório da dor) – por exemplo, reduções nos níveis de substância P no líquor e plasma foram observadas após tratamento por acupuntura, o que é consistente com menor condução de sinais dolorosos. Também há indicações de que ácido gama-aminobutírico (GABA), o principal neurotransmissor inibitório do cérebro, tem sua atividade aumentada em certas regiões encefálicas durante a acupuntura, contribuindo para efeitos relaxantes e ansiolíticos que muitas vezes acompanham o alívio da dor. No hipotálamo, a acupuntura pode estimular a liberação de neuropeptídeos como orexina e ocitocina. A orexina, além de regular apetite e sono, pode influenciar a modulação da dor através da ativação de vias endocanabinóides no mesencéfalo – estudos recentes apontam que uma via orexina-endocanabinóide na região da PAG pode mediar parte da analgesia não-opioide da acupuntura. A ocitocina, por sua vez, conhecida por seus efeitos em parto e vínculo social, também exerce propriedades analgésicas e anti-estresse; alguns experimentos sugerem que sessões de acupuntura elevam os níveis de ocitocina central e periférica, o que poderia ajudar a reduzir a ansiedade e a tensão muscular associadas à dor crônica.

Em resumo, a acupuntura desencadeia uma “farmácia interna” do organismo: endorfinas, encefalinas, serotonina, noradrenalina, dopamina, adenosina, GABA, ocitocina, entre outros, atuam sinergicamente para aliviar a dor e restabelecer o equilíbrio. Esse perfil multimodal de neurotransmissores ajuda a explicar porque a acupuntura pode ser útil em diferentes tipos de dor e também contribuir para efeitos colaterais positivos como melhora do sono, do humor e redução do estresse nos pacientes.

Ação no Sistema Imune e Resposta Inflamatória

Além da modulação neuroquímica, a acupuntura exerce efeitos importantes sobre o sistema imunológico e o processo inflamatório, o que por sua vez impacta a sensação de dor. Na visão ocidental, a dor crônica muitas vezes está associada a um estado de inflamação persistente ou atividade imunológica alterada – por exemplo, artrites, neuropatias diabéticas, dores musculares crônicas e mesmo a enxaqueca possuem componentes inflamatórios. A acupuntura parece promover uma regulação imunológica, atenuando respostas inflamatórias excessivas e estimulando mecanismos de reparo.

Modulação de citocinas: As citocinas são proteínas sinalizadoras produzidas por células do sistema imune que orquestram a inflamação. Algumas citocinas são pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral (TNF-α), interleucina-1 beta (IL-1β) e interleucina-6 (IL-6) – elas tendem a aumentar a sensibilidade à dor, pois estimulam nociceptores e causam edema e dano tecidual. Outras citocinas são anti-inflamatórias, como interleucina-10 (IL-10) e IL-4, e atuam reduzindo a inflamação e favorecendo a cicatrização. Estudos demonstram que a acupuntura pode alterar favoravelmente esse balanço: in vivo, observou-se que sessões de eletroacupuntura levaram a reduções nos níveis de TNF-α, IL-1β e IL-6 em modelos de dor inflamatória, ao mesmo tempo em que aumentaram os níveis de IL-10 e IL-4. Essa mudança de perfil citocínico sugere uma diminuição da inflamação sistêmica e local. Por exemplo, em pacientes com osteoartrite de joelho, tratamentos com acupuntura foram associados a diminuição de marcadores inflamatórios no líquido articular e sangue periférico, correlacionando-se com melhora da dor e da função. Em modelos animais de dor neuropática, a acupuntura também reduziu citocinas pró-inflamatórias na medula espinhal, o que pode ajudar a reverter a sensibilização central (um fenômeno onde neurônios da dor ficam hiperexcitáveis devido à inflamação crônica).

Células imunológicas e reflexos neuroimunes: Quando uma agulha penetra a pele e tecidos subjacentes, ocorre uma pequena lesão controlada que ativa células imunitárias locais, como mastócitos (células residentes nos tecidos que liberam histamina, triptase e outros mediadores), macrófagos e neutrófilos. A ativação de mastócitos pela acupuntura facilita a liberação de substâncias como histamina e bradicinina, que inicialmente promovem vasodilatação e recrutamento de outras células imunes para a região – isso explica por que muitas vezes há vermelhidão local (eritema) ao redor da agulha. Paradoxalmente, embora histamina e bradicinina sejam algógenos (isto é, podem causar dor), em doses controladas elas contribuem para um processo de cura: aumentam o fluxo sanguíneo local e a permeabilidade, trazendo nutrientes e células reparadoras. Mais adiante, os macrófagos e neutrófilos recrutados pela acupuntura começam a liberar opioides endógenos no local lesionado. De fato, pesquisas mostram que leucócitos podem secretar beta-endorfina e encefalinas no sítio de inflamação, atuando diretamente sobre os nociceptores periféricos para diminuir a dor. A acupuntura parece estimular esse efeito, funcionando como um “sinal” para que o sistema imune libere analgésicos naturais nas áreas afetadas.

Além do efeito local, a acupuntura interage com o sistema imunológico de forma reflexa através do sistema nervoso autônomo. Determinados pontos de acupuntura, quando estimulados, enviam impulsos que alcançam centros nervosos ligados à inervação de órgãos linfóides (como o baço, timo) e glândulas. Um conceito emergente é o do “reflexo inflamatorio” mediado pelo nervo vago – parte do sistema nervoso parassimpático. Esse reflexo, descoberto pela neurociência moderna, demonstra que estímulos em nervos periféricos podem modificar a atividade de células imunológicas sistêmicas via conexões cérebro-órgão. No caso da acupuntura, pesquisadores encontraram evidências de que a estimulação de pontos específicos (como o ponto Zusanli – E36, localizado na perna) ativa vias neurais que incluem o nervo vago e também fibras simpáticas, resultando na modulação da função esplênica e adrenal. A ativação do nervo vago leva a uma liberação de acetilcolina no baço, que por sua vez sinaliza para macrófagos esplênicos reduzirem a produção de citocinas inflamatórias (como TNF-α). Esse circuito é conhecido como via colinérgica anti-inflamatória. Simultaneamente, a ativação de fibras simpáticas até a medula adrenal promove a secreção de catecolaminas (adrenalina, noradrenalina) e até dopamina pela glândula adrenal. Essas substâncias têm efeitos imunomoduladores – por exemplo, a dopamina adrenal atua em receptores de linfócitos e outras células, suprimindo a liberação excessiva de citocinas e incentivando um perfil anti-inflamatório. Em estudos de condições agudas severas (como choque séptico em animais), a eletroacupuntura mostrou-se capaz de elevar rapidamente dopamina circulante via eixo vago-adrenal, reduzindo drasticamente níveis de TNF-α e aumentando as chances de sobrevivência, o que ilustra a potência desse mecanismo neuroimune.

Outra forma de modulação imune é via macrófagos e sua polarização. Macrófagos têm dois perfis extremos: M1 (pró-inflamatório, produzindo citocinas que agravam inflamação) e M2 (anti-inflamatório, promovendo reparo tecidual). A acupuntura parece induzir uma mudança da polarização para o fenótipo M2 em tecidos lesionados, auxiliando na resolução da inflamação. Por exemplo, no sistema nervoso central, micróglia (as células imunes do cérebro e medula) ativada em resposta a lesão ou dor crônica geralmente adota um estado inflamatório que amplifica a dor. Experimentos demonstram que a eletroacupuntura consegue reduzir a ativação excessiva de micróglia pro-inflamatória e aumentar marcadores de micróglia do tipo reparador, nos cornos dorsais da medula espinhal, levando a menor liberação de substâncias algogênicas como fator de crescimento nervoso (NGF) e substância P. Essa modulação da glia é importante para combater a sensibilização central que ocorre em muitas dores crônicas (fenômeno em que o sistema nervoso fica “hiper-sensibilizado” pela inflamação prolongada).

Em resumo, a acupuntura interage com o sistema imune de forma bi-direcional: por um lado, desencadeia uma reação imunológica local controlada que auxilia na cura e libera analgésicos endógenos; por outro, aciona reflexos neurais que suprimem a inflamação sistêmica exacerbada e promovem um estado anti-inflamatório benéfico. Como a inflamação é uma grande causadora de dor (através de estímulo direto de nervos e sensibilização de vias neurais), a redução de processos inflamatórios por si só já explica grande parte do alívio de dor obtido, especialmente em condições como artrites, tendinites e lesões músculo-esqueléticas. Notadamente, esses efeitos imunológicos da acupuntura aproximam conceitos orientais (de restauração do equilíbrio e remoção de “estagnações” que causam doença) de termos ocidentais modernos (homeostase imunológica e resolução da inflamação).

Influência no Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal e Regulação Hormonal

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) é o principal sistema neuroendócrino envolvido na resposta ao estresse e regulação de vários processos fisiológicos, incluindo imunidade e metabolismo. Quando uma pessoa enfrenta dor (especialmente dor crônica), frequentemente há ativação persistente do eixo HHA, o que pode levar a desequilíbrios hormonais, níveis elevados de cortisol cronicamente e efeitos deletérios como ansiedade, distúrbios de sono e depressão. A acupuntura parece ter a capacidade de modular o eixo HHA, tanto estimulando-o em situações de necessidade, quanto atenuando sua hiperatividade em casos de estresse crônico – ou seja, agindo de forma adaptogênica ou normalizadora.

Durante a sessão de acupuntura, especialmente quando certos pontos são estimulados (por exemplo, pontos que na medicina tradicional estão ligados ao “rim” ou “bexiga”, correspondentes neuroanatomicamente a inervações próximas aos dermátomos toraco-lombares), ocorrem impulsos que alcançam o hipotálamo. O hipotálamo então libera fatores liberadores, como o hormônio liberador de corticotropina (CRH), que estimula a hipófise a secretar hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) na corrente sanguínea. O ACTH viaja até as glândulas adrenais (supra-renais) e as induz a produzir cortisol (o hormônio do estresse) e também adrenalina/noradrenalina (pela medula adrenal, via estimulação simpática concomitante). Esse aumento agudo de cortisol induzido pela acupuntura tem um efeito anti-inflamatório importante: o cortisol suprime a síntese de prostaglandinas inflamatórias, inibe a produção de citocinas como IL-1 e TNF, e estabiliza membranas celulares, reduzindo edema. Dessa forma, em condições de dor inflamatória aguda ou pós-lesão, a acupuntura ajuda por meio desse “mini-boost” de cortisol endógeno que limita a progressão do processo inflamatório e auxilia na analgesia. Notavelmente, estudos clínicos e experimentais observaram que pacientes submetidos à acupuntura apresentam alterações nos níveis de cortisol salivar e plasmático, sugerindo melhora da regulação do eixo HHA: por exemplo, alguns trabalhos mostraram redução na hipercortisolemia matutina em indivíduos com estresse crônico após algumas semanas de tratamento com acupuntura, indicando um retorno a um padrão hormonal mais saudável.

Outra consequência da ativação do eixo HHA pela acupuntura é a liberação de β-endorfina pela hipófise anterior. A β-endorfina, como já discutido, é um potente peptídeo analgésico endógeno. Curiosamente, tanto a β-endorfina quanto o ACTH derivam do mesmo precursor (a molécula chamada POMC) nas células da hipófise; assim, quando a acupuntura estimula a secreção de ACTH, geralmente há co-secreção de β-endorfina na circulação. Essa β-endorfina sanguínea pode atravessar a barreira hematoencefálica em partes ou atuar em receptores periféricos e centrais contribuindo para analgesia difusa. Esse é um belo exemplo de como os sistemas nervoso e endócrino interagem durante a acupuntura.

Em condições de estresse crônico ou dor crônica, muitas vezes o eixo HHA fica desregulado – alguns pacientes apresentam níveis constantemente elevados de cortisol (levando a efeitos negativos, como imunossupressão, insônia, perda muscular), enquanto outros podem apresentar uma “fadiga” do eixo com produção insuficiente de cortisol e resposta atenuada a novos estressores. A acupuntura, através de estimulação repetida e rítmica de pontos estratégicos, tem mostrado tendência a normalizar o eixo HHA. Isso significa reduzir os picos excessivos e aumentar respostas quando há deficiência. Por exemplo, em modelos de animais com estresse crônico, a acupuntura impediu o aumento exagerado de cortisol e adrenalina frente a um desafio estressor, sugerindo um efeito ansiolítico e protetor do organismo contra o desgaste do estresse. Em pacientes com fibromialgia (dor crônica difusa frequentemente acompanhada de disfunção do eixo HHA), alguns estudos relatam melhora dos sintomas e do padrão diurno de cortisol após tratamentos com acupuntura, indicando possível recalibração do relógio hormonal.

Além do cortisol, o eixo HHA envolve outros hormônios e eixos associados, que também podem ser modulados. Por exemplo, o hipotálamo-pituitária produz hormônios como prolactina, hormônio do crescimento (GH), hormônios tireoidianos (via TSH) e gonadais (LH/FSH influenciando estrógeno/testosterona). Alguns trabalhos sugerem que a acupuntura pode elevar discretamente os níveis de melatonina à noite (hormônio do sono produzido pela glândula pineal, controlada em parte pelo hipotálamo), contribuindo para melhora do sono em pacientes com dor crônica insone. Outros estudos indicam efeitos na liberação de DHEA (dehidroepiandrosterona, um hormônio adrenal associado ao bem-estar e modulação imunológica). Entretanto, os achados mais consistentes e relevantes para analgesia concentram-se no cortisol e endorfinas via eixo HHA.

Resumindo, a acupuntura atua também como um modulador neuroendócrino: ao estimular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, ela induz a liberação controlada de hormônios anti-inflamatórios e analgésicos (cortisol e endorfinas) e, a longo prazo, pode reequilibrar um eixo HHA disfuncional associado à dor crônica. Isso não só alivia a dor diretamente, mas também melhora sintomas comórbidos de dor crônica, como fadiga, distúrbios do sono e alterações de humor, fechando o ciclo benéfico de recuperação.

Tabela 1 – Principais mecanismos neurofisiológicos e imunológicos da acupuntura e sua relação com a analgesia

Mecanismo BiológicoDescrição e EfeitoContribuição para Alívio da Dor
Inibição segmentar espinhal (Teoria do Portão)Estimulação de fibras sensoriais de grosso calibre (Aδ/Aβ) pelas agulhas ativa interneurônios inibitórios no corno dorsal da medula, liberando neurotransmissores inibidores (GABA, glicina, encefalinas).“Fecha o portão” na medula espinhal, reduzindo a transmissão de impulsos dolorosos das fibras nociceptivas periféricas para o cérebro (menor entrada de sinal de dor).
Ativação de vias inibitórias descendentesSinais das agulhas alcançam tronco cerebral (PAG, núcleos da rafe, locus coeruleus) induzindo liberação de serotonina e noradrenalina que descem pela medula.As monoaminas descendentes ativam interneurônios inibitórios e diminuem a liberação de substâncias excitadoras da dor na medula, inibindo a condução dolorosa em nível central.
Liberação de opióides endógenosAcupuntura estimula produção de beta-endorfina, endomorfina, encefalina e dinorfina em encéfalo, medula e tecidos periféricos. Essas substâncias ligam-se a receptores opióides μ, δ e κ.Bloqueio da transmissão da dor de forma similar aos analgésicos opiáceos (morfina). Reduz a excitabilidade dos neurônios de dor e aumenta o limiar doloroso, proporcionando analgesia sistêmica e local.
Modulação de outros neurotransmissoresAumento na disponibilidade de serotonina e noradrenalina no SNC; modulação de dopamina em regiões límbicas; liberação local de adenosina; possível ativação de sistemas endocanabinóides e GABAérgicos.Contribui para analgesia multifacetada: monoaminas inibem dor e melhoram o humor; dopamina melhora a tolerância à dor e bem-estar; adenosina inibe impulsos nociceptivos periféricos; canabinóides endógenos e GABA reduzem excitabilidade neural.
Reflexos autonômicos e neurovisceraisEstímulo de pontos aciona reflexos via nervos autonômicos (vago e simpático) que influenciam órgãos (baço, adrenal, etc.) e glândulas.Via parassimpática (vagal) reduz a inflamação sistêmica pelo reflexo anti-inflamatório (menos citocinas pró-dor); via simpática-adrenal libera catecolaminas modulando dor e inflamação.
Redução de citocinas pró-inflamatóriasAcupuntura diminui níveis de TNF-α, IL-1β, IL-6 em tecidos e circulação, e aumenta citocinas anti-inflamatórias (IL-10, IL-4).Menor inflamação local e sistêmica significa menor sensibilização de nervos e menos estímulo doloroso contínuo; auxilia na resolução de processos inflamatórios dolorosos (artrite, lesões).
Ativação de células imunes analgésicasRecrutamento de leucócitos (neutrófilos, macrófagos) e mastócitos no local da agulha; essas células liberam endorfinas e encefalinas periféricas e fatores de crescimento.Os opióides liberados por células imunes agem nos nervos periféricos diminuindo a dor local; fatores de crescimento ajudam a regenerar tecidos lesionados, acelerando a recuperação e removendo a fonte da dor.
Modulação do eixo HHA (neuroendócrino)Estímulo do hipotálamo e hipófise, liberando ACTH e β-endorfina; subsequente aumento de cortisol pelo córtex adrenal. Em longo prazo, normaliza a resposta do eixo ao estresse.β-endorfina atua como potente analgésico natural sistêmico; cortisol elevado transitoriamente reduz inflamação e edemas associados à dor. A regulação crônica do eixo melhora resistência ao estresse e previne exacerbações de dor ligada a fatores emocionais.
Neuroplasticidade benéficaRepetição de sessões induz alterações na expressão gênica e conexões neurais em vias de dor (reduzindo receptores excitatórios, aumentando receptores inibitórios).Diminui a sensibilização central e periférica ao longo do tempo, levando a um efeito analgésico duradouro mesmo após o término do tratamento; “reeduca” o sistema nervoso para não reagir de forma exagerada a estímulos dolorosos.

Eficácia da Acupuntura para o Tratamento da Dor

Tendo em vista os múltiplos mecanismos fisiológicos ativados pela acupuntura, inúmeros estudos clínicos foram conduzidos para avaliar sua eficácia real no alívio da dor em pacientes. A seguir, examinamos as evidências científicas disponíveis, comparamos a acupuntura a tratamentos convencionais e destacamos para quais tipos de dor ela é indicada.

Evidências Científicas de Eficácia (Ensaios e Estudos Clínicos)

A eficácia analgésica da acupuntura já foi avaliada em centenas de ensaios clínicos randomizados e diversas metanálises. De maneira geral, a literatura indica que a acupuntura proporciona alívio da dor superior aos cuidados usuais sem acupuntura, e também superior à acupuntura simulada (sham) em muitos cenários, embora a magnitude da diferença para o sham possa ser moderada. Vale destacar que o estudo da acupuntura em ambiente clínico apresenta desafios, sobretudo na questão do controle placebo (pois até mesmo a inserção superficial de agulhas ou em pontos não verdadeiros pode gerar algum efeito fisiológico). Ainda assim, analisando o conjunto de evidências, obtêm-se resultados positivos consistentes.

Uma das maiores análises já conduzidas, publicada em 2018, reuniu dados individuais de cerca de 20.000 pacientes de 39 ensaios clínicos que testaram acupuntura para quatro condições de dor crônica: dor musculoesquelética (como lombalgia e cervicalgia crônicas), osteoartrite, cefaleia crônica (tensional ou enxaqueca) e dor no ombro. Essa metanálise de dados individuais concluiu que a acupuntura verdadeira foi significativamente mais eficaz que a acupuntura simulada e que a ausência de tratamento para todas as condições avaliadas. As reduções de dor com acupuntura foram superiores às do grupo sem tratamento em magnitude considerada clinicamente relevante, e superiores às do grupo sham em uma margem menor porém estatisticamente robusta. Importante: o benefício da acupuntura persistiu a longo prazo – houve manutenção de cerca de 85% do efeito analgésico inicial após 12 meses, indicando que, diferente de certos medicamentos cujo efeito cessa quando interrompidos, a acupuntura pode desencadear melhorias duradouras (provavelmente por mecanismos de neuroplasticidade e resolução de processos patológicos subjacentes). Esse estudo de grande porte oferece um forte respaldo à utilização da acupuntura como opção viável no manejo da dor crônica.

Revisões sistemáticas específicas para condições dolorosas corroboram esses achados: por exemplo, uma revisão Cochrane de 2016 focada em enxaqueca episódica indicou que adicionar acupuntura ao tratamento convencional resulta em redução na frequência de crises de cefaleia, e que a acupuntura foi tão ou mais eficaz que medicações profiláticas para enxaqueca (como beta-bloqueadores), com a vantagem de menores efeitos adversos. De forma semelhante, outra revisão Cochrane sobre cefaleia tensional crônica encontrou que pacientes que receberam um ciclo de pelo menos 6 sessões de acupuntura apresentaram redução significativa no número de dias de dor de cabeça em comparação aos que não receberam ou receberam tratamento simulado. No caso de osteoartrite (especialmente de joelhos), diversas metanálises (incluindo publicações em revistas de reumatologia) relatam que a acupuntura melhora a dor e a função articular mais do que placebo, e tem magnitude de efeito comparável a anti-inflamatórios não esteroides, podendo ser recomendada como parte do manejo multimodal de artrites.

Para dores nas costas (lombalgias) crônicas, os resultados de pesquisas levaram entidades de saúde a incluírem a acupuntura nas recomendações de tratamento. O Colégio Americano de Médicos (ACP), por exemplo, em suas diretrizes de 2017 para lombalgia crônica, recomenda terapias não farmacológicas de primeira linha como acupuntura, devido a evidências de benefício e ao baixo risco envolvido. Ensaios mostram melhora moderada da dor lombar crônica com acupuntura comparado a cuidados usuais, e até mesmo quando comparado a fisioterapia convencional, os resultados em algumas medidas foram equivalentes ou favoráveis à acupuntura. Para dor cervical (no pescoço), a literatura também sugere benefícios, embora os estudos sejam um pouco menos abundantes; mesmo assim, acupuntura frequentemente proporciona alívio de curto prazo e melhora na mobilidade do pescoço em quadros como cervicalgia crônica ou cervicobraquialgia.

É importante mencionar também a eficácia da acupuntura em contextos de dor aguda e pós-operatória. Embora a maior parte das pesquisas se concentre na dor crônica, há evidências de que a acupuntura pode ajudar no controle de dores agudas, reduzindo a necessidade de analgésicos fortes. Por exemplo, um ensaio clínico notável comparou acupuntura com morfina intravenosa no manejo de dor aguda em pacientes de um pronto-socorro (com diferentes causas, incluindo cólica renal, lombalgia aguda, enxaqueca etc.). Os resultados mostraram que a acupuntura promoveu alívio da dor mais rápido e eficaz do que a morfina, com menos efeitos colaterais (nenhum paciente de acupuntura apresentou reações adversas significativas, enquanto no grupo da morfina houve vários casos de náuseas, tontura e outros efeitos). Embora esse seja apenas um estudo, ele ilustra o potencial da técnica mesmo em situações de dor intensa imediata.

No pós-operatório, revisões de diversos RCTs indicam que a acupuntura e métodos relacionados (como eletroacupuntura ou acupressão em pontos específicos) podem reduzir a dor após cirurgias e diminuir o consumo de opioides no pós-operatório, contribuindo para menor incidência de náuseas e outros efeitos adversos desses medicamentos. Por isso, alguns hospitais incorporam a acupuntura como complemento no cuidado pós-cirúrgico, especialmente após cirurgias ortopédicas, abdominais e odontológicas (onde se observou boa eficácia no alívio de dor dental pós-extração).

De maneira geral, as evidências científicas respaldam a acupuntura como uma opção terapêutica válida para diversos tipos de dor. É claro que a resposta pode variar entre indivíduos – há pessoas consideradas “bons respondedores” que obtêm alívio marcante, enquanto outras podem ter resposta modesta. Fatores como gravidade e cronicidade da condição, técnica de acupuntura empregada, e até expectativas do paciente podem influenciar os resultados. Contudo, até mesmo quando não remove completamente a dor, a acupuntura frequentemente proporciona melhorias funcionais e de qualidade de vida, permitindo ao paciente retomar atividades cotidianas com maior conforto.

Comparação da Acupuntura com Tratamentos Convencionais

No tratamento da dor, os métodos convencionais incluem fármacos analgésicos (como anti-inflamatórios não esteroides – AINEs, paracetamol, opióides, antidepressivos e anticonvulsivantes para dor neuropática), fisioterapia e exercícios, terapias intervencionistas (injeções, bloqueios nervosos) e medidas de suporte como calor, massagens, etc. Comparar a acupuntura com essas abordagens envolve avaliar eficácia, segurança e outros aspectos (custo, adesão, etc.).

  • Acupuntura vs. Analgésicos (medicações): Os analgésicos orais são geralmente a primeira linha para dor aguda e também usados em dores crônicas, mas muitos têm efeitos colaterais significativos, especialmente no uso prolongado (por exemplo, gastrite, úlcera e risco cardiovascular com AINEs; sedação, constipação e dependência com opióides; efeitos sistêmicos de corticoides; etc.). A acupuntura, por outro lado, tem um perfil de segurança muito favorável: quando realizada por profissional capacitado, as complicações são mínimas (eventualmente pequenos hematomas, leve dor no local da agulha ou sonolência passageira). Em termos de eficácia, em algumas condições a acupuntura se equipara aos medicamentos. Por exemplo, para enxaqueca e cefaleia tensional, estudos mostraram que a acupuntura preventiva reduziu a frequência de crises de maneira semelhante a beta-bloqueadores ou antidepressivos tricíclicos profiláticos, porém com menos efeitos adversos relatados e melhora adicional de sintomas de ansiedade/depressão. Na osteoartrite de joelho, a acupuntura demonstrou redução de dor comparável ao uso de AINEs tópicos ou orais, e quando combinada a medicamentos o resultado é aditivo (permitindo, muitas vezes, doses menores de remédios). Em dores crônicas lombares, a acupuntura frequentemente permite aos pacientes reduzir o consumo de analgésicos diários. Inclusive, há um interesse especial no uso da acupuntura para diminuir a necessidade de opióides no cenário da atual crise de opioides em alguns países – integrando a acupuntura, consegue-se alívio da dor crônica com menor dose de opioide, mitigando riscos de tolerância e dependência.
  • Acupuntura vs. Fisioterapia e Exercícios: A fisioterapia, incluindo recursos como TENS (estimulação elétrica transcutânea), ultrassom terapêutico, alongamentos e fortalecimento muscular, é componente-chave do tratamento de muitas síndromes dolorosas musculoesqueléticas. Acupuntura e fisioterapia não são excludentes – ao contrário, muitas vezes são combinadas. Entretanto, alguns estudos compararam os dois. Em lombalgia e cervicalgia crônicas, tanto a acupuntura quanto protocolos fisioterapêuticos mostraram eficácia, sem diferenças enormes entre eles em várias medidas (dor, mobilidade, etc.). Alguns pacientes podem preferir acupuntura quando o movimento está muito limitado pela dor, pois ela pode reduzir a dor inicialmente e facilitar a posterior adesão aos exercícios. Por outro lado, a fisioterapia ativa (exercícios) é fundamental para reabilitação a longo prazo – portanto, o ideal muitas vezes é usar a acupuntura como um facilitador (analgesia para permitir movimentação e exercícios). Em resumo, são abordagens complementares; onde a fisioterapia sozinha não alcança alívio suficiente, a adição de acupuntura pode melhorar os resultados, e vice-versa. No caso de nevralgias ou dores referidas por contraturas (como pontos-gatilho miofasciais), técnicas modernas como dry needling (agulhamento seco de pontos gatilho) têm semelhanças com a acupuntura e podem ser realizadas por fisioterapeutas treinados, atingindo alívio muscular e promovendo relaxamento local comparável à acupuntura tradicional.
  • Acupuntura vs. Cirurgias/Intervenções: Para algumas dores crônicas intratáveis (ex: hérnia de disco com ciática severa, artrose avançada), recorre-se a intervenções invasivas – bloqueios anestésicos, rizotomias (radiofrequência) ou cirurgias. A acupuntura pode, em certos casos, evitar ou postergar essas intervenções. Por exemplo, em pacientes com ciatalgia moderada, a acupuntura combinada a exercícios e cuidados posturais reduziu sintomas a ponto de muitos não precisarem de infiltrações epidurais. Em dores faciais atípicas ou trigeminal, onde opções farmacológicas são limitadas, a acupuntura mostrou reduzir a frequência de crises dolorosas, representando uma alternativa menos agressiva que procedimentos neurocirúrgicos ablativos. Claro, quando há indicações absolutas de cirurgia (como compressão medular grave, articulação já sem cartilagem funcional, etc.), a acupuntura não substitui a correção estrutural. Entretanto, mesmo nesses casos, pode ser útil no período de espera pela cirurgia e no pós-operatório para controle da dor.
  • Integração com tratamentos convencionais: Atualmente, a tendência é integrar acupuntura aos protocolos convencionais em vez de contrapô-las. Por exemplo, em serviços de oncologia, acupuntura é utilizada para dores oncológicas como complemento aos analgésicos, e também para manejar efeitos colaterais de quimioterapia (náusea, neuropatia periférica). Em unidades de dor, o paciente muitas vezes recebe um cocktail terapêutico: medicação otimizada, orientações de atividade física, suporte psicológico e acupuntura. Essa abordagem multimodal costuma oferecer o melhor resultado, pois cada método aborda um aspecto – a acupuntura, com seus múltiplos mecanismos, tem a vantagem de cobrir vários desses aspectos simultaneamente (analgesia, relaxamento muscular, redução da inflamação e do estresse), potencializando o efeito global do tratamento.

Em termos de segurança, a acupuntura leva vantagem sobre a maioria dos tratamentos medicamentosos de dor crônica, pois não causa danos gastrointestinais, renais ou hepáticos, nem sedação ou risco de dependência. O principal cuidado é garantir a esterilidade das agulhas (o que é padrão com agulhas descartáveis) e conhecer a anatomia para evitar inserções profundas em locais de risco (por exemplo, região torácica para evitar pneumotórax, embora seja extremamente raro nas mãos de um profissional habilitado). Em países ocidentais, a acupuntura é regulamentada e feita por médicos, fisioterapeutas ou acupunturistas licenciados, com treinamentos sólidos. Portanto, como ferramenta de tratamento, ela possui uma ótima relação risco-benefício.

Indicações Médicas para Diferentes Tipos de Dor

A acupuntura tem sido empregada no manejo de vários tipos de dor, agudas e crônicas. Abaixo listamos algumas categorias de dor e o que a evidência e prática clínica indicam sobre a utilidade da acupuntura em cada uma:

  • Dor crônica musculoesquelética: Inclui lombalgia crônica inespecífica, cervicalgia crônica, dor articular por osteoartrite (joelhos, quadril, mãos), dor miofascial (como fibromialgia) e síndromes de dor regional (ombro doloroso crônico, cotovelo de tenista, síndrome do piriforme, etc.). Este é talvez o campo onde a acupuntura é mais utilizada e estudada. Em lombalgia crônica, a acupuntura demonstrou eficácia significativa e é recomendada por diretrizes como opção não farmacológica. Muitos pacientes relatam redução da intensidade da dor e melhora da mobilidade após um curso de 8 a 12 sessões semanais. Na osteoartrite de joelho, tanto a OMS quanto organizações como o Colégio Americano de Reumatologia reconhecem a acupuntura como terapia adjunta válida: ela pode reduzir a dor, rigidez e melhorar a função, facilitando os exercícios de fortalecimento muscular necessários para proteger a articulação. Em fibromialgia, que é um quadro complexo de amplificação dolorosa difusa, os resultados variam – alguns estudos mostram melhora em pontos sensíveis e na qualidade do sono, enquanto outros mostram efeito modesto; contudo, dada a baixa toxicidade, muitos especialistas incluem acupuntura como parte do tratamento multidisciplinar da fibromialgia, visando alívio sintomático e relaxamento. Para dores cervicais crônicas e síndrome de dor miofascial, a acupuntura (inclusive o dry needling) pode aliviar pontos-gatilho, diminuir contraturas e restaurar amplitude de movimento, sendo muito útil para pacientes com “torcicolo crônico” ou tensões cervicais de origem postural.
  • Cefaleias e Enxaqueca: Acupuntura é bem estabelecida como tratamento profilático para enxaqueca e cefaleia tensional crônica. Pacientes que sofrem de enxaqueca frequente podem se beneficiar de acupuntura para reduzir a frequência e intensidade das crises. Guideline do NICE (Instituto Nacional de Excelência em Saúde do Reino Unido) recomenda considerar acupuntura em caso de migrânea ou cefaleia tensional quando o paciente preferir evitar medicação preventiva ou quando esta for contraindicada/ineficaz. Normalmente, cerca de 10 a 12 sessões regulares podem diminuir significativamente os dias com dor de cabeça por mês. Além da prevenção, alguns pacientes relatam que sessões de acupuntura no início de uma crise podem abortá-la ou torná-la menos intensa. Mecanismos propostos incluem a estabilização do sistema trigêmino-vascular (envolvido na enxaqueca) via liberação de serotonina e redução de neuroinflamação meníngea. Para cefaleia tensional, que muitas vezes é associada a contratura de músculos cranianos e cervicais, a acupuntura promove relaxamento muscular e libera endorfinas que aliviam a sensação de pressão na cabeça. Também há relatos positivos em dores de cabeça cervicogênicas (originadas de problemas cervicais). Outra condição é a nevralgia do trigêmeo – embora extremamente dolorosa e de origem neuropática, alguns pacientes se beneficiam de acupuntura no controle das crises (em conjunto com medicação), possivelmente por efeitos moduladores no nervo trigêmeo e nos núcleos do tronco cerebral.
  • Dor neuropática: Dores neuropáticas surgem de lesão ou disfunção do próprio nervo (ex: neuropatia diabética, neuralgia pós-herpética, radiculopatia compressiva crônica, síndrome do túnel do carpo, etc.). Essas dores são notoriamente difíceis de tratar. A acupuntura oferece uma opção adicional: há estudos sugerindo melhora de sintomas de neuropatia periférica diabética com acupuntura (redução de queimação e formigamento nos pés), possivelmente por aumentar o fluxo sanguíneo neural e estimular fatores de crescimento neuronal. Em síndrome do túnel do carpo, RCTs mostraram redução da dor e parestesias após algumas semanas de acupuntura, acompanhada de melhora na condução nervosa em exames (indicando redução da compressão/inflamação no nervo mediano). Em ciatalgias e braquialgias por hérnia de disco, a acupuntura pode aliviar a dor radicular e favorecer a descompressão ao relaxar musculatura paravertebral espasmada e reduzir edema ao redor da raiz nervosa afetada. Nevralgia pós-herpética (dor que persiste após um herpes zóster) também foi estudada – acupuntura e eletroacupuntura podem diminuir a dor e a alodínia (sensibilidade exagerada) nesses pacientes, talvez por modularem os circuitos medulares lesados pelo vírus. Embora a resposta seja variável, dado o perfil usualmente resistente dessas dores, acupuntura vale a tentativa antes de escalar para opioides fortes ou procedimentos.
  • Dor pós-operatória e pós-traumática: Como mencionado, acupuntura tem aplicação na dor aguda após cirurgias ou traumas. Vários hospitais adotaram protocolos de analgesia pós-operatória com acupuntura, nos quais o paciente recebe sessão de acupuntura logo após uma cirurgia (quando já desperto e estável) e nas 24-48h subsequentes, reduzindo a necessidade de morfina. Resultados são promissores em cirurgias ortopédicas (por ex., após artroplastia total de joelho, pacientes com acupuntura relataram menos dor ao movimento e usaram menos opiáceos). Em cirurgias abdominais e ginecológicas, além da analgesia, a acupuntura parece auxiliar no retorno mais rápido da função intestinal (reduzindo íleo paralítico), devido ao seu efeito regulador autonômico. Em traumas musculoesqueléticos, como entorses ou contusões, a acupuntura feita nos primeiros dias pode diminuir o inchaço, aliviar a dor e acelerar a reabilitação – neste caso, muitas vezes utiliza-se moxabustão (aquecimento do ponto) em conjunto para melhorar circulação local. Até mesmo no trabalho de parto a acupuntura ou acupressão tem sido empregada para analgesia de parto, com algumas gestantes conseguindo evoluir sem anestesia peridural graças ao alívio conferido por pontos específicos (como o ponto do “Intestino Grosso 4” na mão, famoso por aliviar dor).
  • Outros tipos de dor: As indicações da acupuntura se estendem a praticamente qualquer síndrome dolorosa. Por exemplo, dor oncológica (dor do câncer) – a acupuntura não trata o câncer em si, mas ajuda a aliviar dores de metastases ósseas, dores por infiltração nervosa tumoral, e também dores resultantes de tratamentos (como neuropatia pós-quimioterapia). É usada como cuidado paliativo, proporcionando conforto adicional. Em síndromes viscerais dolorosas como cólon irritável ou dismenorreia (cólica menstrual), a acupuntura pode modular o eixo autonômico e aliviar espasmos e inflamação, reduzindo as dores abdominais. Em dor anginosa (cardíaca), há relatos de que certos pontos acalmam a ansiedade e dilatam coronárias reflexamente, diminuindo a percepção de dor torácica, embora isso seja mais complementar e não substitui intervenções cardiológicas necessárias. Até mesmo em dores refratárias, como a dor do membro fantasma pós-amputação, tentou-se acupuntura com algum sucesso em pequenos estudos (hipótese de que reorganiza mapas neurais no cérebro).

Em síntese, a acupuntura possui um espectro amplo de indicações analgésicas, indo da ortopedia à neurologia e medicina interna. Deve-se salientar, porém, que não é panaceia: em algumas condições a melhora é parcial e ela atua melhor como coadjuvante. O julgamento clínico deve ser usado para indicar acupuntura nos casos em que faz sentido fisiopatológico e onde haja evidência de benefício, sempre alinhado às preferências do paciente. Muitos pacientes procuram a acupuntura após terem esgotado opções convencionais sem sucesso ou devido a efeitos adversos de medicamentos; nesses casos, ao menos tentar algumas sessões para avaliar resposta é razoável, dado o baixo risco. Por outro lado, pacientes podem ser encorajados a incorporar acupuntura mais precocemente como parte de uma abordagem integrativa – por exemplo, alguém com artrose de joelho pode fazer fisioterapia, exercícios e acupuntura simultaneamente, obtendo melhor controle da dor e evitando o abuso de anti-inflamatórios.

Tabela 2 – Comparação entre diferentes técnicas de acupuntura e seus efeitos biológicos

A acupuntura não é uma técnica única; ela possui variações na forma de aplicação e estímulo. As diferentes técnicas podem ter impactos biológicos distintos, embora compartilhem princípios comuns. A tabela a seguir resume algumas modalidades e seus respectivos efeitos:

Técnica de AcupunturaCaracterísticasEfeitos Biológicos Destacados
Acupuntura manual tradicionalInserção de agulhas nos pontos com manipulação manual (rotação, elevação e depressão da agulha) pelo acupunturista para obter a sensação de “Deqi”. Não utiliza estímulo elétrico.Ativa fibras sensoriais locais de modo moderado e amplo. Induz liberação de neurotransmissores como endorfinas e monoaminas de forma equilibrada. Provoca reflexos segmentares na medula e alguns efeitos sistêmicos via eixo hipotálamo-hipófise. Geralmente promove analgesia, relaxamento muscular e melhora da circulação local.
Eletroacupuntura de baixa frequênciaUso de corrente elétrica de baixa frequência (1 a 10 Hz) conectada às agulhas inseridas. Os impulsos elétricos geram estímulos rítmicos lentos.Potencializa a liberação de β-endorfinas, encefalinas e endomorfinas no sistema nervoso central. Ativação predominante de receptores opióides μ e δ, resultando em analgesia profunda e prolongada. Melhora o trofismo tecidual local. Indicada para dores crônicas e profundas.
Eletroacupuntura de alta frequênciaUso de estimulação elétrica em alta frequência (20 a 100 Hz) acoplada às agulhas. Pulsos rápidos.Provoca liberação de dinorfinas e outras substâncias (possivelmente envolvendo também neurotransmissores não opióides). Ativação de receptores opióides κ. Analgesia mais imediata, eficaz para dores agudas intensas. Pode estimular mais fibras Aβ, contribuindo para bloqueio segmentar rápido. A combinação de alta e baixa frequência alternadas é às vezes usada para obter ambos os efeitos (liberação ampla de opióides endógenos).
Auriculoterapia (Acupuntura auricular)Aplicação de agulhas muito pequenas, esferas ou sementes em pontos específicos na orelha, que correspondem reflexamente a órgãos e regiões do corpo. Pode ser associada a estímulo elétrico leve.Os pontos auriculares estimulam regiões do tronco cerebral (através do nervo trigêmeo e vago que inervam a orelha) modulando dor e funções viscerais. Promove liberação sistêmica de endorfinas e regulação autonômica (p.ex., equilíbrio entre simpático e parassimpático). Eficaz especialmente para dores com componente emocional e ansioso (pois acalma o sistema límbico) e em protocolos de controle de ansiedade e analgesia (ex: protocolo NADA para abstinência).
Moxabustão e ventosas (adjuntos)Moxabustão: Aquecimento de pontos de acupuntura pela queima de ervas (geralmente Artemísia) próximo à pele. Ventosas: aplicação de copos de vidro/plástico criando vácuo sobre pontos ou regiões dolorosas.Calor da moxa: aumenta vasodilatação local, potencializa efeitos de acupuntura em casos de frio ou rigidez, e libera mediadores térmicos que relaxam músculos (pode aumentar atividade simpática leve seguida de efeito rebote relaxante). Ventosas: promovem hiperemia local, ajudam a eliminar metabólitos estagnados em músculos tensos e estimulam terminações nervosas cutâneas, contribuindo para analgesia miofascial. Ambos são complementos que reforçam a modulação neuroimune (moxa também estimula calor nos receptores TRPV, que pode liberar óxido nítrico localmente melhorando fluxo sanguíneo).
Acupuntura a laser (laserpuntura)Utilização de feixes de laser de baixa intensidade focados em pontos de acupuntura, em vez de agulhas. É não invasiva e indolor.O laser de baixa potência estimula os pontos promovendo liberação de endorfinas e melhora microcirculação, porém de forma mais suave que agulhas. Pode modular a atividade elétrica nervosa localmente e reduzir inflamação (efeito bioestimulação). Indicado para pacientes sensíveis ou crianças. Embora indolor, seus efeitos analgésicos podem ser menores ou requerer mais tempo de aplicação comparado à acupuntura com agulhas tradicionais.
Dry needling (Agulhamento a seco)Técnica derivada aplicada por fisioterapeutas e médicos ocidentais, focada no agulhamento de pontos gatilho miofasciais (bandas tensas no músculo), geralmente sem a filosofia dos meridianos. Usa agulhas de acupuntura inseridas diretamente no ponto muscular tenso com manipulação vigorosa.Ao puncionar o ponto gatilho, causa uma resposta de contração local seguida de relaxamento muscular (espasmo transiente e depois alívio da tensão). Induz microlesão muscular controlada, levando o músculo a se regenerar sem a contratura prévia. Libera localmente substâncias como cálcio e rompe o ciclo isquemia-dor. Também estimula vias segmentares similares à acupuntura, resultando em liberação de opioides endógenos para analgesia regional. É especialmente eficaz para dores musculares localizadas e aumentos de amplitude de movimento imediatamente após aplicação.

(Nota: As técnicas acima frequentemente são combinadas; por exemplo, pode-se fazer acupuntura manual seguida de moxabustão, ou usar eletroacupuntura e depois ventosas, conforme a necessidade clínica.)

Conclusão

A acupuntura, outrora vista com ceticismo pela medicina ocidental, hoje se apoia em um conjunto robusto de evidências científicas e bases fisiológicas que explicam seus efeitos analgésicos. Longe de “misticismo”, sabemos agora que inserir agulhas em pontos específicos desencadeia uma série de eventos biológicos: ativa nervos periféricos modulando a dor já na medula espinhal, estimula o cérebro a liberar substâncias neuroquímicas como endorfinas e serotonina que suprimem a dor, equilibra o sistema nervoso autônomo reduzindo respostas inflamatórias e normalizando funções orgânicas, e envolve o sistema endócrino na liberação de hormônios benéficos como cortisol (em doses fisiológicas) e ocitocina. Essa orquestração neuro-endócrino-imune configura um potente mecanismo intrínseco de alívio da dor e restauração da homeostase. Em outras palavras, a acupuntura estimula o corpo a se autocurar e a controlar a dor utilizando seus próprios recursos biológicos.

As descobertas sobre os mecanismos de ação também trouxeram aplicações práticas: entendendo, por exemplo, que diferentes frequências de eletroestimulação promovem liberação de distintos opióides, profissionais podem individualizar o tratamento (frequências baixas para dor crônica difusa, frequências altas para dores agudas intensas, ou combinação das duas para abranger todos os receptores opióides). Saber que a acupuntura aumenta IL-10 e reduz TNF-α esclarece por que é útil em dores inflamatórias como artrites. Compreender a influência no eixo HHA indica sua utilidade em pacientes com dor exacerbada por estresse crônico. Assim, a ponte entre o conhecimento tradicional e a explicação moderna está construída: termos antigos como “estagnacão de Qi e sangue” podem ser reinterpretados como isquemia muscular e liberação de bradicinina, tratados pela agulha ao melhorar a perfusão e acionar reflexos neurológicos.

Do ponto de vista clínico, a acupuntura se firmou como uma importante ferramenta no tratamento da dor, seja como terapia principal em casos selecionados ou como adjuvante integrativo somado às abordagens convencionais. Seu perfil de segurança e os benefícios colaterais (melhora do sono, do humor, da ansiedade) a tornam particularmente atraente para condições crônicas onde evitar polifarmácia é desejável. Pacientes frequentemente relatam, além da redução da dor, uma sensação de relaxamento e bem-estar pós-sessão, o que contribui para quebrar o ciclo vicioso dor-tensão-insônia.

As implicações para a prática clínica são claras: profissionais de saúde, especialmente das áreas de dor, reabilitação e neurologia, podem considerar indicar acupuntura para uma variedade de condições dolorosas – desde aquela dor lombar persistente que não cede totalmente com fisioterapia, até a paciente com enxaqueca que não tolera mais os efeitos adversos de medicações diárias, ou o idoso com artrite de joelho que busca evitar cirurgia. Integrar acupuntura significa oferecer ao paciente uma abordagem holística, que trata não só o sintoma da dor mas regula o organismo como um todo. É fundamental, contudo, que essa prática seja exercida por profissionais qualificados e em comunicação com a equipe multidisciplinar, garantindo que faça parte de um plano terapêutico coerente.

Quanto às perspectivas futuras da pesquisa, ainda há muito a explorar nos mecanismos de acupuntura: investigações estão em curso sobre a genética e a individualidade biológica da resposta à acupuntura (por que alguns respondem melhor que outros), o papel do microbioma intestinal modulando inflamação e dor sob influência da acupuntura, desenvolvimento de dispositivos de eletroestimulação acupuntural mais precisos (“agulhas inteligentes”), e estudos avançados de neuroimagem que possam mapear em tempo real as mudanças cerebrais durante a acupuntura. Ademais, a incorporação da acupuntura em protocolos médicos oficiais tende a crescer – já existem hospitais integrativos e diretrizes incluindo acupuntura, mas espera-se ampliação desse movimento conforme novas gerações de profissionais se familiarizem com a medicina integrativa baseada em evidências.

Em conclusão, a acupuntura representa a convergência bem-sucedida de um saber tradicional milenar com o rigor científico contemporâneo. Seus mecanismos ocidentais elucidados fornecem legitimidade e compreensão a seus efeitos, sem desmerecer a sabedoria empírica oriental que a desenvolveu. Para o alívio da dor, a acupuntura se mostra uma aliada valiosa, acionando o “farmacêutico interno” do corpo humano e oferecendo esperança de analgesia a muitos pacientes. Com constante pesquisa e integração clínica, a acupuntura continuará a expandir seu papel na medicina moderna, sempre mantendo o foco no cuidado integral e no equilíbrio do organismo como um todo.


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